Aline Silva em Entrevista para o Rio2016

Já garantida no Rio 2016, Aline Silva defende presença de mulheres na luta Olímpica


Destaque do evento-teste deste fim de semana, brasileira se inspira em Ronda Rowsey: é forte sem deixar de ser feminina

Aline Silva foi bronze nos Jogos Pan Americanos Toronto 2015 (Foto: Getty Images/Buda Mendes)

Aline Silva é dona do melhor resultado do país na luta Olímpica, a prata no Mundial do Uzbequistão 2014. Agora, ela quer o primeiro título Olímpico da história. A lutadora paulista chega ao Rio de Janeiro determinada a se tornar um ídolo nacional. A atleta, que já tem sua vaga garantida no Rio 2016, compete no Wrestling Lady’s Open – evento-teste da modalidade para os Jogos –, que acontece nos dias 30 e 31 de janeiro, na Arena Carioca 1, e teve domínio das atletas chinesas no primeiro dia de disputas.

Em entrevista exclusiva ao site rio2016.com, a paulista falou sobre o preço de ser uma atleta de ponta, o preconceito por ser lutadora, a relação com o marido e sparring e a expectativa para fazer história em casa com a chegada dos Jogos Olímpicos.

"Vou lutar com a minha torcida do lado. Essa vai ser uma grande oportunidade de mostrar para a minha família, meus amigos e o meu Brasil o quão guerreiros nós somos"

O caminho rumo ao pódio do Rio 2016 pode ser árduo, mas desistir não faz o estilo de Aline. Em 2002, ela decidiu pendurar o quimono e apostar na luta Olímpica, um esporte até então pouco conhecido no país, após três anos competindo profissionalmente no judô. Para conseguir financiar a empreitada, a atleta trabalhava vendendo lanche natural, doces e artesanato.

O esforço valeu a pena e os resultados começaram a surgir. Até o momento, a brasileira já conquistou 81 medalhas na modalidade em torneios nacionais e internacionais, incluindo a prata no Mundial 2014 - o mais longe que qualquer atleta brasileiro conseguiu chegar no esporte até hoje.

"A primeira coisa que passou pela minha cabeça quando subi no pódio foi a minha jornada até aquele momento, tudo o que eu abdiquei. E se precisasse fazer tudo de novo, eu faria"

O ano de 2015 também trouxe boas novas para a lutadora. Além do bronze nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, Aline deu o primeiro passo rumo aos Jogos Rio 2016 - ela conquistou a primeira vaga brasileira da luta Olímpica com a quinta colocação no Mundial de Las Vegas.

Aline Silva foi bronze nos Jogos Pan Americanos Toronto 2015 (Foto: Getty Images/Buda Mendes)

Grande parte do sucesso de Aline se deve ao marido, Flávio Ramos. Ex-judoca, ele abdicou da própria carreira de atleta para ajudar a esposa – desde 2014, ele desempenha a função de sparring (companheiro de treino) da lutadora. "Comecei a notar que, sempre que ele estava, o meu treino fluía muito bem porque eu tinha um parceiro forte. Antes, nem sempre eu tinha com quem treinar ou então era uma menina muito mais leve, que eu tinha que me poupar. Não rendia igual", afirmou.

Aline Silva: “A luta é ainda um esporte muito estereotipado”


Parte da dificuldade de Aline em encontrar parceiras de treino se dá ao fato de que ainda não existe um número expressivo de mulheres no esporte no país. A lutadora contou que ainda sofre preconceito por praticar um esporte considerado masculino perante a sociedade.

“Quando estou fora do tapete, mais arrumada, e alguém pergunta o esporte que pratico, quando falo que luto, dizem: 'nossa, mas você é tão feminina!'. Não entendo esse antagonismo entre ser feminina e lutar”

Para lidar com o problema, Aline quer se tornar um exemplo para jovens lutadoras no Brasil. A atleta comentou sobre o poder de inspiração de mulheres no esporte como a fera do MMA Ronda Rousey.

“As pessoas ainda têm um pouco dessa visão e acho que isso é quebrado à medida que a gente mostre o trabalho dessas grandes ídolas como a Ronda, que é uma atleta muito forte e é feminina”, afirmou.

O Brasil tem no estilo livre feminino sua equipe mais forte, liderada por Aline Silva – a única a conseguir a vaga até o momento – e Joice Silva, que representou o Brasil em Londres 2012.

“Acho que o crescimento da luta Olímpica no Brasil é um caminho natural. Até porque o Brasil gosta de esportes de combate. Temos vários exemplos: MMA, taekwondô, jiu-jitsu, judô... Brasileiro nasceu para lutar”


Aline Silva, durante embate nos Jogos Pan-Americanos Toronto 2015 (Foto: Getty Images/Buda Mendes)

Confira a entrevista com Aline Silva na íntegra

Existe um esforço contínuo por parte da Federação Internacional de Luta Olímpica (FILA) para aumentar a participação feminina no esporte, que ainda é considerado “masculino”. Você acha que as mulheres ainda precisam conquistar o seu espaço no esporte?
A luta é um esporte tradicionalmente masculino. Faz parte dos Jogos desde a Era Antiga, e o estilo greco-romano até hoje só é praticado por homens. As mulheres foram participar só em 2004, em Atenas no estilo livre. O Brasil então, só conseguiu enviar a primeira mulher em 2008, em Pequim.

Acho que existe sim um crescimento na participação feminina. Mas no Brasil ainda é algo muito novo. Temos homens e mulheres praticando, falta massificar. Eu mesma não tenho muitas meninas que possam treinar e competir comigo aqui. O crescimento é um caminho natural. Até porque o Brasil gosta de esportes de combate. Temos vários exemplos, MMA, taekwondô, jiu-jitsu, judô... Brasileiro nasceu para lutar.

Existe ainda um senso comum de que luta não é esporte de mulher. Você já passou por alguma situação em que teve de lidar com preconceito?
Sim, muitas vezes. Não é só a questão do preconceito, sinto que o esporte ainda é estereotipado. Quando estou fora do tapete, mais arrumada, e alguém me pergunta o esporte que pratico, quando falo que luto não acreditam. Dizem “nossa, mas você é tão feminina!”. Eu não entendo porque esse antagonismo entre ser feminina e lutar.

É claro que é mais difícil. Tenho que me esforçar o dobro para manter a minha feminilidade – o cabelo quebra horrores no treino, tenho que dar banho de creme sempre, e as unhas descascam no tapete -, só que eu acho que uma coisa não se opõe à outra. As pessoas ainda têm um pouco dessa visão e acho que isso é quebrado à medida que a gente mostre o trabalho dessas grandes ídolas do esporte como a Ronda Rowsey, que é uma atleta muito forte e é feminina. Ser feminina não quer dizer o oposto de ser lutadora, vencedora, guerreira.

Como é treinar com o seu marido?
Quando começamos a namorar, ele, que é ex-judoca, começou a se interessar pela luta e vir aos treinos. Comecei a notar que, sempre que ele estava, o meu treino fluía muito bem porque eu tinha um parceiro forte. Antes, nem sempre eu tinha parceiros para treinar ou então treinava com uma menina muito mais leve, que eu tinha que me poupar. Não rendia igual. Em 2014, ele passou a treinar tempo integral comigo. E foi o melhor ano da minha carreira.

Mas isso não afeta a relação a dois?
É complicado, mas somos muito profissionais. Quando estamos um pouco mais chateados um com o outro, acabamos treinando mais sério. A dificuldade maior é a convivência em tempo integral. Temos que sempre ter em mente o profissionalismo. Não é todo dia que tudo funciona. Então é difícil lidar com isso e não levar para casa. Tem muita gente que me pergunta se o fato de estarmos juntos pode afetar o treinamento. Na verdade, é o contrário. Nosso trabalho pode afetar nossa relação. Somos muito profissionais quanto a isso.

Você foi a primeira brasileira a conquistar uma medalha em Mundiais. O que sentiu ao subir no pódio?
Conquistar a medalha foi uma grande satisfação, principalmente depois de tanto trabalho. A gente abdica de muita coisa para ser atleta. Lembro que estava há quase três meses fora do Brasil, só pensando e treinando para esse Mundial. Eram treinamentos duros e não tinha nenhum tempo para diversão ou distrações. Era treinar, comer e dormir. Todos os dias. Você começa a se perguntar o que está fazendo, vê que a vida vai passando, os pais envelhecendo, perde aniversários e acha que não está vivendo. A primeira coisa que passou pela minha cabeça quando subi no pódio foi toda essa jornada, tudo o que eu abdiquei. E se precisasse fazer tudo de novo, eu faria. Vale muito a pena.

Qual a expectativa para competir nos Jogos Olímpicos Rio 2016?
É mais uma competição. Só que é o maior evento do mundo, no nosso país.  Vou poder lutar com a minha torcida do lado. Essa vai ser uma grande oportunidade de mostrar para a minha família, meus amigos e o meu Brasil o quão guerreiros nós somos. Na parte fria, no treinamento, na preparação, é só mais um evento. Vou lutar com tudo como sempre faço. Não gosto de perder.

Quem são as suas principais adversárias?
Todas as que estão aqui no evento-teste. Americanas, chinesas, canadenses, russas... são as mais fortes.

O Japão também é um potência na luta Olímpica. Qual o segredo de tamanho sucesso?
O Japão tem a melhor equipe feminina do mundo. Eu digo sempre que não tenho um ídolo único, os japoneses em geral são os meus. Acho que a excelência deles é feita de detalhes. Eles se preocupam com cada coisinha. A começar pelo centro de treinamento excelente que eles tem. As atletas não precisam se preocupar com nada, só treinar. Assim, a preparação fica sistematizada, sem contar com o trabalho de base deles, que é muito forte.

Fonte: Rio2016
Fotos: Rio2016

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