Chinquilho Cruzeirense retratado no MaisFutebol

Alma do Chinquilho vai do sócio de 86 anos ao ouro olímpico

O Grupo Sport Chinquilho Cruzeirense chegou a ser arrasado por um ciclone. Mas o espírito dos trabalhadores que o fizeram mantém-se naqueles que o vão vivendo há décadas

É um clube antigo. E é um clube à antiga. Na Rua do Sítio do Casalinho da Ajuda, em Lisboa, mora o Grupo Sport Chinquilho Cruzeirense. Um clube que se vai fazendo só para os seus sócios, com muitos de idade sénior, mas que são também os maiores exemplos de dedicação.

Muitos são sócios há muitos anos. De um clube que há dois meses celebrou o 86º aniversário. O Chinquilho foi fundado a 20 de fevereiro de 1928.

O bairro do Casalinho da Ajuda – que agora continua a ter vista para a Tapada, mas já também para o novo polo universitário de Lisboa, em Monsanto – foi crescendo com os trabalhadores que vinham para as fábricas da capital e lá se foram instalando. As suas mulheres trabalhavam na apanha da fruta, na Tapada.

Iam vivendo em barracas, entre as hortas. Iam jogando à malha, como diversão, que dividiam com a frequência das tabernas. Um grupo de amigos, moradores do sítio, compraram mais um barracão, com uma vedação, desta vez para ser a primeira sede do clube. Até 1941.

Nesse ano, o país, e também Lisboa, foram varridos por um forte ciclone. O Chinquilho não escapou ao fenómeno. O ciclone «arrancou tudo», o barracão, a vedação… «E viemos lá de cima», para cerca de 100 metros mais abaixo. Os sócios alugaram uma garagem, que «era positivamente uma cocheira». E o clube foi colocando as pedras do crescimento. Nesta altura, estamos a falar com Fernando Ramos, o sócio nº1 do Chinquilho. Ele que mora ao lado da sede deste seu clube de toda a vida.

Amália e os maiores do fado

O nome do clube, claro, deve-se ao jogo da malha, cujos campeonatos foram jogados até meio do século passado, com organização da comissão de senhoras. O bairro do Casalinho da Ajuda foi crescendo. As barracas foram dando lugar às habitações de cimento e tijolo. O bairro camarário foi inaugurado no arranque da década de 1970 para alojar os trabalhadores. E mais pessoas se foram instalando na zona, aumentando também o número de sócios.

«Os sócios obrigaram o clube a crescer», conta-nos o presidente, Rui Passos. Há 39 anos que está ligado ao Chinquilho, quando «era só uma sala» e os sócios «pagavam dois tostões para ir tomar banho ao clube». Foi aparecendo «malta com ideias», que começou «com uns petiscos» e uns «bailes». «As variedades chamaram pessoas. Os maiores do fado vieram aqui todos», como Amália já tinha ido lá cantar ainda no tempo da primeira sede.

A tradição artística do Chinquilho ainda no presente se mantém, com a queda para as festas e arraiais. Mas o desporto foi ganhando terreno. Pelo clube passaram modalidades das mais variadas como a pesca, o ténis de mesa, o futsal ou o basquetebol feminino campeão ibérico, como já houve muitos miúdos, na ordem das três centenas, a praticar desporto e a fazer o clube duas vezes o maior representante nos Jogos da Cidade.

Fernando Ramos, o sócio nº1, e Rui Passos, o presidente do Chinquilho

Este percurso foi feito «conforme havia dinheiro», com o terreno que foi sendo cedido pela câmara, alargando o espaço, por salas, até ao pavilhão. «Foi feito com o arregaçar das mangas. Fizemos festas para angariar dinheiro, tivemos a ajuda da junta» da Ajuda, conta Rui Passos. Fernando Ramos recorda que «o telhado do pavilhão foi mil contos» e que «demorou dois anos» a ser concluído. «Jogávamos ao loto para arranjar dinheiro», conta o sócio nº1, também antigo diretor, orgulhoso da obra que está mesmo ali ao seu lado: «Hoje, não se deve nada.»

A competição desportiva já lá vai. Mas a prática do desporto não. O Chinquilho tem duas escolinhas para os mais novos: uma de futsal (com cerca de 40 crianças) e outra de luta (com cerca de 30). A de luta é a Escolinha de Luta Hugo Passos. O Hugo Passos filho do presidente Rui Passos. O Hugo Passos que começou na luta do Chinquilho, que ganhou a medalha de prata no Europeu (absoluto) de juniores – o melhor resultado português de sempre no escalão. O Hugo Passos que já é atleta-treinador no Casa Pia e tetracampeão surdolímpico, além dos bicampeonatos mundiais e europeus entre a luta greco-romana e a olímpica…

«Vejo o Chinquilho como o clube do meu coração. Foi ali que eu me iniciei», são as palavras de Hugo Passos frisando que foi este clube que lhe possibilitou tornar-se no que é hoje; ele que é o maior lutador português, com mais de 30 títulos individuais nacionais na luta e mais de 15 por equipas. «Nunca vou esquecer tudo aquilo que já me fizeram (festas de homenagem, ser aprovado como sócio de mérito...), mas o principal é ser sempre recebido pelos sócios com muito amor e carinho cada vez que me desloco lá».

«O Hugo, além do atleta que é, nasceu aqui. É uma glória para a gente», assume Fernando Ramos. Hugo Passos, pelo seu lado, assume que o exemplo do Chinquilho «é muito importante, pois é nestes clubes que por vezes se destacam grandes atletas». «É nestes clubes que se criam grandes amizades. E quando acabar o associativismo acaba muito desporto em Portugal. Só é pena que estes clubes não sejam reconhecidos como tal», aponta o atleta.

Lembranças do Hugo Passos na parede da sede do Chinquilho

No trabalho anual do Chinquilho no desporto da freguesia da Ajuda está a organização da «maior maratona do país de futsal», firsa o presidente, que no primeiro fim de semana de julho terá a sua XIIª edição. É uma competição de dois dias que envolve 16 equipas da grande Lisboa atribuindo um prémio de 1.500 euros ao primeiro classificado.

«A maratona vale sempre a pena, mesmo que às vezes se trabalhe para aquecer», refere o Rui Passos contando que a «crise» também se fez notar. Antes, o polidesportivo Eduardo Bairrada estava «cheio de gente». Na última edição, por exemplo, «os 30 barris de cerveja que se vendia passaram para 14 ou 15».

A manutenção da forma física para os mais velhos existe no Chinquilho em forma de aulas de aeróbica. Onde uma das presenças há 18 anos é a da mulher do presidente do clube; ela também presidente da comissão de senhoras, que o Chinquilho continua a ter, como em outros tempos.

«A comissão de senhoras é uma mais-valia que este clube tem», garante Rui Passos referindo os almoço e festas que são organizados para benefício dos sócios. No almoço dos 86 anos estiveram «180 pessoas». «No Natal damos aos miúdos 160 brinquedos, todos comprados», exemplifica. É também por estas duas alturas que o Chinquilho organiza torneios inter-sócios, desde a sueca, aos matraquilhos. Fernando Ramos já só vê os torneios, deixou de participar, mas, quanto aos almoços... «Não falho um. Só por doença.»

Cobrador e presidente das contas

Mas muitos sócios «só vêm ver a bola». Jogam uma sueca e vão embora às nove e meia».
«Muitos já não moram aqui», mas são também muitos desses que vão mantendo «ligação» ao clube. Como Rui Passos, que também mora atualmente em Alcântara. O presidente do clube explica que «a malta dos 30, 40 anos que vive aqui adere às festas». O Chinquilho orgulha-se de não alugar o seu pavilhão, mas é lá que organiza «festas de batizado e casamento só para os sócios» a «seis euros o almoço, com baile». E, num plano oposto, no do luto, o clube coloca a bandeira a meia haste pelo falecimento de qualquer familiar de um sócio.

Atualmente, há mais de um milhar de associados, entre os quais três centenas de mulheres. As quotas são de 15 cêntimos para menores de 13 anos, 75 cêntimos para os homens e 50 cêntimos para as mulheres. Os sócios com mais de 65 anos não precisam de pagar quotas. Mas, destes, só cerca de um quarto é que deixou mesmo de pagar. Quem nos diz é Luís Nunes, o presidente do Conselho Fiscal do Chinquilho e, também, o cobrador de quotas do clube.

Por regra, as quotas são-lhe pagas na sede, mas quando há quem se atrase alguns meses, pois «alguns são difíceis», não se faz rogado: «Apanho-os na rua.» O homem das contas é associado há 42 anos e também ele já passou por vários cargos no Chinquilho. E também assume que já houve dedicação maior ao clube.

«Temos muitos sócios, mas só para dizer que são. Só meia dúzia é que se dedica», esclarece Fernando Ramos referindo que na faixa etária a partir dos 50 anos «há quem ainda viva isto», mas que, por exemplo, «os mais novos não se preocupam com o balancete». Que, por sinal, anda na ordem dos 38 mil euros. O que o sócio nº1 do Chinquilho e os seus querem é «ver isto aberto», mas Fernando Ramos ressalva que «acabando os velhos, vai ser um problema».

Fonte: MaisFutebol

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